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Olá, meu amigo, a paz de Jesus Cristo seja com você!
Quero manifestar aqui meu respeito à sua pessoa e à nossa longa amizade. Saiba que admiro muito a sua busca pela verdade e seu compromisso com a moral, a ética e a ciência. Você conheceu algumas partes de mim muito bem e sabe que compartilhamos, em essência, os mesmos ideais. É em memória desses ideais que escrevo esta mensagem e lhe faço este convite.
Convido-o a me acompanhar na elucidação de uma intrigante e surpreendente questão que, creio eu, é de suma importância para a definição do propósito das discussões presentes nesse site:
- Por que Deus dedicou apenas dois dos cinqüenta capítulos de Gênesis para falar sobre a origem do Universo, da Terra e de seus habitantes?
Para entendermos essa questão, devemos fazer uma “pequena” viagem em um oceano de significados e significantes, de tipos e figuras, um oceano em que a mente deve estar aberta e receptiva à intuição (no espírito), um lugar em que o conhecimento pode ser apenas uma pesada mochila que nos incomoda e impede nossa passagem por caminhos estreitos. Entraremos em um campo vivo, criado por um Deus vivo e acessível, o Deus que, por amor, se fez carne e interagiu com a humanidade, transformando-a, recriando-a.
Realmente há muitas dúvidas tanto no grupo dos criacionistas, quanto no dos evolucionistas com relação ao que a Bíblia diz sobre a criação do Universo e da terra. Contudo, há um fenômeno interessante nesses dois grupos: quando um evolucionista (como Michael Ruse) se aprofunda no tema, começa a admitir que existe algo além do proposto pela ciência. Todavia, quando alguém se aprofunda adequadamente no cristianismo, afirma, com certeza, que realmente existe algo além.
É interessante notar que tanto criacionistas quanto evolucionistas percebem que a Bíblia é cheia de contradições. Um grupo tenta ignorá-las ou explicá-las, e o outro, atacá-las. Essas contradições, no entanto, só existem porque a compreensão e o entendimento dos dois grupos estão cobertos por três espessos véus:
- Uma leitura superficial das escrituras (véu A);
- Uma leitura profunda, mas com uma abordagem textual incorreta (véu B);
- Uma leitura profunda, com abordagem correta, mas sem revelação, sem vida (véu C).
Que o Senhor nos ajude e nos ilumine no descortinar desses três véus. Que Ele seja a luz que ilumina a NOSSA jornada. Sim, todos estamos na mesma jornada. A sede e a fome de descortinar o véu e vislumbrar o além são inerentes a todo o ser humano. A incessante busca pelo divino e o transcendental é parte de nosso ser. A jornada não pára, tem apenas escalas, portos de descanso, de descobrimento, de experimentação, sobretudo, de revelação.
Todavia, nessa viagem de descobrimento, sem essa luz para nos guiar, podemos tomar um rumo bastante inadequado. Podemos até estar no rumo certo, mas, nas trevas e em trevas, estaremos tão preocupados com a leitura dos instrumentos, com o planejamento e com o traçado do compasso sobre o mapa, que não conseguiremos nos entregar ao deleite e à apreciação poética da jornada.
Quando nos abrimos a essa apreciação, tudo toca de forma diferente o nosso ser. Novos sentidos podem se abrir e antigos sentidos podem ganhar outra dimensão. Nossa consciência se expande e passamos a ser parte da viagem, conectados, integrados, recriados.
Gostaria de servir-lhe como guia turístico. Sei que por esses mares você já navegou, permita-me lhe mostrar uma nova perspectiva, uma nova abordagem. Liberte sua mente (free your mind) e aproveite a viagem...
CONHECENDO O NOSSO PONTO TURÍSTICO:
O nosso ponto turístico é a Bíblia, mais especificamente os primeiros versículos do livro de Gênesis. Pretendendo ser um bom guia, por isso, antes de iniciarmos nossa jornada, gostaria de lhe informar um pouco sobre a história, a cultura e as tradições desse ponto. Devemos conhecer o terreno por onde estaremos pisando. Devemos saber que a Bíblia, além de ter sido escrita por um período de 1600 anos, por diferentes tipos de pessoas e em diferentes contextos históricos, está intimamente relacionada com a história da humanidade. O indício mais evidente disso é a divisão do calendário mundial em dois momentos, um antes e outro após o nascimento de seu personagem principal, Jesus.
Devemos estar atentos também a outros fatos, considerados por alguns “coincidências” históricas. É de conhecimento comum que, pelos cânones católicos, a Bíblia foi proibida ao povo do séc. VI até o séc. XV. Esse período foi conhecido “coincidentemente” como idade das trevas. “Coincidentemente”, no período em que a Bíblia estava fechada, o Alcorão se abriu. “Coincidentemente” também, na mesma época em que Deus usou Lutero para liberar novamente a Bíblia para o povo, a imprensa foi inventada, permitindo a rápida difusão da Palavra. Porém, apesar de a Palavra estar liberada, ela ainda não estava totalmente clara, ou seja, revelada.
Graças a Deus, nestes últimos cinco séculos, surgiram grandes mestres cristãos (Calvino, Lutero, Aquino, Guillon, Nee). Eles foram verdadeiros timoneiros que, subindo nos ombros uns dos outros, puderam enxergar cada vez mais longe e colocar o navio no rumo certo. Esse enxergar mais longe foi possível graças ao acúmulo de conhecimento histórico e espiritual, ao desenvolvimento de novas tecnologias de estudo e à liberação de novas revelações divinas. Dessa forma, a Palavra de Deus pôde ser mais revelada, liberando ainda mais o sopro divino “oculto” em suas páginas.
O livro de Gênesis, escrito por Moisés sob o sopro de Deus, tinha o título original de “Em (o) princípio”. A septuaginta (tradução grega do Velho Testamento) adotou a palavra latina que conhecemos hoje que significa “dar à luz, origem”. Em Gênesis, portanto, estão todas as sementes das verdades divinas.
Note que, de acordo com a tradução literal de 2Tm 3:16: “Toda a Escritura é soprada por Deus”, não é apenas “inspirada” por Ele. Não é simplesmente Sua Palavra ou Seu Pensamento, mas o próprio sopro (o Espírito) de Deus. O que Deus é foi soprado para dentro da Bíblia. É o mesmo sopro que Ele utilizou para dar vida ao homem! É o sopro da vida!
Esta é a principal revelação da Bíblia: Ela é a vida.
Seu ponto central é a vida!
Certo. Sabemos que o ponto central dela é a vida. Isso é importante para removermos algumas das barreiras que nos dificultavam o entendimento. Agora devemos responder a uma pergunta extremamente crucial:
O que é a vida para a Bíblia?
Certamente a resposta a essa pergunta esclarecerá muitas outras coisas e removerá muitas outras barreiras que dificultavam nossa compreensão.
Surpreendentemente a Bíblia não nos responde o QUE é a vida,
mas QUEM é a vida.
Então QUEM é a vida na Bíblia?
A resposta vem nas palavras do próprio Senhor Jesus. Ele diz diversas vezes: “Eu sou a vida” e “Eu vim para que tenham vida”. Citando apenas o evangelho de João (com grifos meus):
“Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens;” Jo1:4
“Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas já passou da morte para a vida.” Jo 5:24
“Pois assim como o Pai tem vida em si mesmo, assim também deu ao Filho ter vida em si mesmo;” Jo 5:26
“Então Jesus tornou a falar-lhes, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue de modo algum andará em trevas, mas terá a luz da vida.” Jo 8:12
“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” Jo 14:6
“Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” Jo 20:30-31
Há, por toda a Bíblia, muitas passagens como essas. Talvez a mais apropriada, no contexto dessa jornada, seja:
“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna;
e são elas que dão testemunho de mim,
mas não quereis vir a mim para terdes vida!” Jo 5:39-40
Realmente toda a Bíblia dá testemunho de Jesus! Hebreus 10:7 confirma que o Velho Testamento (VT) foi escrito a respeito de Jesus.
Podemos dividir o VT em três seções principais: Moisés (que representa a lei), os profetas e os Salmos. O Senhor Jesus disse que em cada seção do VT há algo escrito a Seu respeito (Lc 24:27,44). No Novo Testamento, esse mistério é plenamente elucidado em Ef 1:9-10: “fazendo-nos conhecer o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que nele propôs para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo TODAS as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra,”. (destaque meu). Em Jo 1:2-3 temos que: “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem Ele nada do que foi feito se fez”. (grifo meu).
SABEMOS AGORA ONDE ESTAMOS PISANDO, VAMOS AGORA VISITAR ALGUNS PONTOS ESPECÍFICOS:
Traçando um esboço geral de Gênesis, podemos colocar assim:
Deus criou, Satanás corrompeu, o homem caiu, Jeová prometeu salvar.
Os cinqüenta capítulos de Gênesis podem ser divididos desta forma: Os dois primeiros são APARENTEMENTE um registro da criação de Deus. Os quarenta e oito seguintes são as biografias de oito grandes pessoas, divididos em dois grupos distintos: Adão, Abel, Enoque e Noé, que pertencem aos que foram criados. Abraão, Isaque, Jacó e José, que pertencem aos que foram chamados. Gostaria de abrir aqui um parêntese: é muito interessante notar que Gênesis gasta muitos capítulos com as biografias desses homens. Essas biografias, no entanto, falam pouco sobre as suas obras, mas dizem muito sobre suas vidas.
Por que a palavra “aparentemente” foi destacada no parágrafo anterior? Os dois primeiros livros de Gênesis não são um registro da criação? Em parte! Vamos elucidar isso em etapas.
Para a completa elucidação, teríamos que nos aprofundar sobre o motivo, o propósito, a base, os meios e o processo de Deus em todo o livro. Mas, para não me alongar muito nem parecer estar fugindo ao tema central (apesar de tudo estar relacionado), vou sintetizar ao máximo:
O motivo: o desejo e o prazer de Deus (Ef 1:5 e 9).
O propósito: glorificar Seu Filho (Cl 1:15-19) desde Adão que, de acordo com Rm 5:14, é uma prefiguração de Cristo, até a glorificação da Igreja (Apocalipse).
A base: Sua vontade (Ap 4:11) e o plano de Deus em Cristo Jesus (Ef 1:10).
Os meios: Seu Filho (Cl 1:15-16; Hb 1:2b) e Sua Palavra (Hb 11:3; jo 1:1-3).
Todas esses pontos são FUNDAMENTAIS, mas tudo indica que, atualmente, o que lhe interessa mais é o processo. Poderia lhe falar que esse não é o seu ponto de interesse. Então, vamos a ele:
APRECIANDO A PAISAGEM:
O PROCESSO DA CRIAÇÃO EM GÊNESIS
Devo alertar que iremos passar por um terreno já bastante pisado e batido. Todavia, permita-me lhe mostrar um novo e esclarecedor ponto de observação. Sugiro, para isso, que você deixe a mochila dos seus conhecimentos antigos para trás. Pode ficar tranqüilo, ninguém vai tirá-la de você. Libere suas costas desse peso e desse volume, pois iremos subir muito e por um caminho bem estreito. Iremos para um local bem alto para podermos ter uma boa apreciação da paisagem. Se você levar esse peso e esse volume, poderá ficar muito cansado ou entalado em alguma parte do caminho.
A primeira frase da Bíblia é “No princípio”. Na Bíblia essa frase é usada, no mesmo contexto, em dois momentos: Em Gênesis 1:1 e em João 1:1. O princípio usado em João foi ANTERIOR ao usado em Gênesis, pois ele fala do princípio na eternidade, um princípio sem qualquer princípio. Já o princípio relatado em Gn 1:1 é o princípio do tempo. João refere-se à eternidade, enquanto Gênesis se refere ao tempo. O tempo é como se fosse uma rachadura, uma fenda aberta na eternidade.
Muitos pensam que Gn 1:1 é o tema central dos dois primeiros capítulos, mas se Gn 1:1 é o tema, então por que Gn 1:2 começa com “e” na versão revista e corrigida de Almeida (ou usa o “porém” na versão revista e atualizada)? A conjunção “e” liga os dois versículos, o que quer dizer que algo aconteceu no versículo 1 e continuou acontecendo no versículo 2.
(Gostaria de abrir aqui um parêntese sobre as versões e traduções da Bíblia. É sabido que o processo de estudo e tradução das sagradas escrituras não cessa. À medida que novos pontos são revelados, outros também passam a fazer sentido. Hoje, com o auxílio de computadores (em estudos de correlação sintática e semântica), com os descobrimentos de textos hebraicos antigos, com os manuscritos do Mar Morto e com as revelações que Deus está fornecendo a seus seguidores, muita coisa está vindo à tona.)
Voltemos ao tema. Devemos estar atentos ao fato de que nos capítulos 1 e 2 de Gênesis há três verbos que, em uma primeira leitura, podem parecer sinônimos. Todavia, eles descrevem processos distintos na tarefa de criação e recriação de Deus. Os três verbos são: criar, fazer e formar. No contexto desses capítulos, esses verbos assumem os seguintes significados:
Criar: conceber, tirar aparentemente do nada, dar existência a.
Fazer: produzir por meio de determinada ação; realizar, obrar; executar a construção de; construir, erguer.
Formar: dar ou tomar forma; estruturar (-se).
Certo. Agora podemos prosseguir mais um pouquinho em nosso caminho. O versículo 1 de Gênesis diz que “Deus criou os céus e a terra”. Podemos perceber aqui três pontos importantes: a presença do verbo “criou”; a seqüência, primeiro os céus e depois a terra e o fato de a palavra “céus” estar no plural e “terra” no singular. Todos esses pontos têm um significado, mas não vou extrapolar a linha básica da nossa exploração. Por isso ficaremos apenas com o primeiro ponto, a presença do verbo “criou”.
No versículo 2a está escrito que a terra era sem forma e vazia. Todavia, estudos atuais revelaram que a tradução mais adequada não é “era”, mas tornou-se, transformou-se, converteu-se. Os estudos indicam que a palavra é a mesma utilizada em Gn 19:26, quando descreve a conversão da mulher de Ló em uma estátua de sal. Então, o correto é ler Gn 1:2a assim: “A terra, porém, tornou-se sem forma e vazia”.
Outros estudos apontam que em Gn 1:2b: “e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.”, a palavra Espírito pode ser também traduzida como “sopro” ou “vento”. Extraordinariamente, essa palavra é a mesma utilizada em Gn 8:1b, que relata o momento em que o sopro (vento) de Deus fez as águas diluvianas baixarem: “(...) e Deus fez soprar um vento sobre a terra, e baixaram as águas”.
Devemos notar também que todas as vezes que as palavras “sem forma” e “vazia” aparecem juntas no VT, sempre denotam o resultado de um julgamento (veja Jr 4:23, Is 24:1). Além disso, a palavra “trevas” em Gn 1:2 é outro sinal de julgamento, e em Êxodo 10:20-21 e em Apocalipse 13:10 nos é mostrado também que as trevas são o resultado do julgamento de Deus. Além disso, as trevas simbolizam a morte em contraposição à luz da vida.
Vamos agora dar um pequeno pulinho para o versículo 4 do capítulo 2 : “Eis as origens dos céus e da terra, quando foram criados. No dia em que o Senhor Deus fez a terra e os céus”. Poucas pessoas prestam atenção nesse versículo, mas há duas coisas muito importantes aqui:
Ele nos mostra tanto a criação original quanto a recriação de Deus!
Na primeira metade do versículo vemos a palavra “criou” para se referir aos céus e à terra. Na segunda metade, usa-se a palavra “fez” para se referir à terra e aos céus.
Voltando a Gn 1:1, percebemos que Deus CRIOU os céus e a terra. Depois, do versículo 3 ao final do capítulo 1, o Senhor fez a terra e os céus. Ao relermos o capítulo 1, podemos perceber que, no terceiro dia, Deus RESTAUROU a terra. Ele não a criou, pois ela já estava lá, submersa nas águas. No quarto dia o Senhor restaurou o céu (ou os céus). Dessa forma, chegamos à constatação de que, na criação, primeiro foram os céus e depois a terra. Já na restauração, primeiro a terra e depois os céus, confirmando, dessa forma, Gn 2:4.
Para a restauração (e, insisto, não a criação) da vida na terra, primeiro veio a Palavra de Deus. Em Gn 3:1a: “Disse Deus:”. As coisas só começam a acontecer quando Ele fala, quando Ele se expressa com a Sua Palavra, com o seu Verbo. João 1:1 diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Em Gn 1:3: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz”. A palavra dEle nos traz luz, traz vida e afasta as trevas. O que é a vida, o que é essa luz? É Cristo, 2Co 4:6, Jo 1:4-6,9.
Todos devemos concordar que os dois primeiros capítulos de Gênesis são muito curtos e, aparentemente, muito simples para relatar como Deus criou todas as coisas. Temos aí um dos principais indícios de que esse não era o objetivo principal desse livro.
Devemos perceber que o foco da Bíblia não é o relato da criação do universo ou da história humana. Quando percebemos que o foco é a vida, entendemos o porquê de muitas coisas. Muitas coisas que, aparentemente, não faziam sentido, passam agora a ganhar NEXO.
O NEXO da Bíblia é a vida, e a vida é Jesus!
A Bíblia é um livro da vida. Toda ela é focalizada na vida. Alguém pode dizer que a palavra vida não aparece nesses primeiros capítulos de Gênesis. Isso é verdade, mas podemos encontrar muitos itens pertinentes à vida. Quando Deus restaurou a terra no terceiro dia, todos os tipos de vida vegetal foram produzidos. Depois veio a vida aquática, a vida aérea, a terrestre, o homem e, finalmente, a vida divina no capítulo 2.
Devemos perceber que Gênesis relata três vindas:
- A vinda do Espírito;
- A vinda da Palavra e
- A vinda da Luz.
Após essas vindas, ocorreram três separações:
- A separação entre luz e trevas, que simboliza a guerra do espírito contra nossa natureza pecaminosa depois que recebemos a luz do Espírito Santo;
- A separação entre as águas de baixo e as de cima do firmamento, que, entre outras coisas, simboliza a separação entre as coisas celestiais das terrenas (Cl 3:1-3); e
- A separação da terra e das águas. Em toda a Bíblia o mar simboliza a morte, por isso não existirá mar, quando surgirem um novo céu e uma nova terra, em Ap 21:1. As águas naturais simbolizam a morte. Jesus, a água da vida, representa a ressurreição e a criação da igreja. A terra, de acordo com o contexto bíblico, representa o próprio Cristo. A terra seca emergiu das águas no terceiro dia, Cristo ressuscitou, “coincidentemente”, também no terceiro dia.
Realmente o VT é cheio de sombras, tipos e figuras. Mas esses “mistérios” vão se elucidando à medida que avançamos no estudo da Palavra. Há ainda muitos outros pontos que passam despercebidos ao leitor nesses dois primeiros capítulos de Gênesis. Vejamos alguns:
- Quando Deus completava alguma coisa, Ele dizia que era boa. O único dia em que Ele, especificamente, não disse isso foi no segundo. Queria poder falar sobre isso, mas o assunto é extenso.
- O único momento em que Deus fez alguma coisa no plural foi em Gn 1:26a: “E disse Deus: FAÇAMOS o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança;”. Também queria falar sobre isso, mas pode ficar para depois.
- A seqüência do aparecimento da vida em Gênesis segue uma ordem crescente de complexidade: relva, erva, árvores (antes dos luzeiros) e peixes, aves, animais domésticos, répteis e animais selváticos (depois dos luzeiros).
Uma análise científica aqui seria fatal: Como poderiam as plantas terem sobrevivido, se o grande luzeiro (o Sol) foi feito depois? Como nos versículos anteriores à criação dos luzeiros, está escrito que houve manhã e tarde? Quem disse que os répteis são mais complexos que as aves? Como foi sugerido antes, devemos largar a mochila do conhecimento científico. Se não a largarmos, não poderemos seguir adiante.
Tudo aqui está escrito de forma poética, relatando processos espirituais. A terra é Cristo; o mar a morte; as plantas e os animais são representações de estágios de desenvolvimento e amadurecimento espirituais; o Sol é o Deus Triúno; a Lua é a Igreja; as estrelas são os santos e assim por diante.
Esse assunto é realmente muito interessante e fascinante. Poderíamos ficar nessa jornada por páginas e páginas, mas acho melhor parar. Um guia prudente deve saber o momento certo de explorar outra paisagem.
EXPLORANDO OUTRA PAISAGEM
E AFASTANDO O VÉU B COM UM POUCO DE POESIA
Como diz a música de Rita Lee e o livro de Arnaldo Jabor: Sexo é prosa, amor é poesia. As Sagradas Escrituras são uma obra de amor! Um amor tão grande e profundo, que extrapola completamente todo o limite da compreensão humana. Como João disse: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:16). A Bíblia poderia ter o seguinte título: Romance de um casal universal. Jesus é o noivo e nós, todas as pessoas que formam Sua igreja, a noiva. Ele quer nos desposar e ser novamente um conosco.
Para muitos, o livro de Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão é apenas um livro que demonstra uma relação de uma mulher e seu esposo. Mas, além de ser um dos livros mais poéticos da Bíblia, é um dos mais reveladores da relação de Cristo com Sua noiva, a saber, Sua Igreja. Não é por menos que, dos mil e cinco cânticos que Salomão escreveu, esse foi eleito como “O Cântico”.
Quem está, portanto, tentando ler Cantares ou qualquer outro livro bíblico com um olhar natural, está muito, mas muito equivocado, está a milênios-luz de distância da Verdade. Como visto na parte inicial da nossa jornada, o foco principal da Bíblia é a vida e a vida é Cristo. Toda ela expressa Cristo e é testemunho dEle. Toda a Bíblia foi escrita com o fim de expressar vida espiritual.
Como podia Deus expressar ao homem algo tão inatingível assim, algo que transcendesse nossa capacidade de compreensão?
Só para termos uma idéia dessa dificuldade, vamos a um exemplo prático: Sabemos que você trabalha com programação visual e computação gráfica. Imagine se você tivesse que explicar para uma tribo que nunca teve contato com a civilização como funciona um computador. Como explicaria a computação gráfica? Como explicaria o código binário ou o hexadecimal? Como explicaria o sentido da existência de algo assim?
Creio que a saída mais plausível seria explicar por meio de parábolas, de exemplos que fizessem parte do cotidiano dessa tribo. Mesmo assim eles apenas teriam uma idéia extremamente vaga do assunto. Para mim, o que Deus fez na Bíblia foi o mesmo. Ele utilizou, por meio de fatos e eventos, uma linguagem figurada, poética. Ele fez isso para que possamos, por meio de correlações, intuições e revelações, ter uma vaga idéia do Seu plano, do Seu mundo. Mesmo assim ainda é muito difícil assimilar todas essas coisas.
Não podemos fazer uma análise científica de nenhuma parte da Bíblia,
porque ela não está escrita sob a forma de prosa, mas de poesia!
Sim, a Bíblia é uma linda obra espiritual, revestida com uma linguagem poética!
Como devemos ler uma obra poética? Os grandes escritores dão uma direção. Eles procuram não responder, mas recolocar a questão da seguinte forma: Uma leitura do poema se faz por meio de sua articulação com um corpus teórico. Ora, é preciso que essa teoria, por sua vez, seja lida. Ou seja, ela também requer de nós o esforço, a dedicação, a atenção, o amor – em suma, o tempo – para lê-la adequadamente. É a única maneira de lê-la, abdicando-nos da tentação totalizante de explicá-la. Não há como explicar o inexplicável. Com diz Kant: a nossa limitação diante da natureza ilimitada e ameaçante é análoga à inabilidade da nossa faculdade de apresentar, a imaginação [Einbildungskraft], o ilimitado.
Concordo com Purcheu, quando ele afirma: “Para quem se dedica a ela, a linguagem poética é afeita às implicações (não às explicações), às instabilidades (não às estabilidades), levando, constantemente, o dedicado de uma posição a outra, de uma criação a outra, pois os lugares então surgidos são invenções que o poético realiza por intermédio do pensador, abrindo, por ele, nele, nessa nova zona de permeabilidade, uma inindividualização que garante, simultaneamente, um tipo não antecipável de reindividualização. É o poético que fabrica as individualidades de quem participa de seu jogo, não o inverso”.
Ele continua: “Quanta concentração para se chegar a algumas frases que o pensador poético não precisa esclarecer! Quanta concentração para dizer que, com todos os riscos, o futuro está para ser criado, e nós também estamos entregues aos caprichos da criação!”. Além de poéticas, as palavras das Sagradas Escrituras são vivas. Como disse uma vez Montaigne: "Cut these words, and they would bleed; they are vascular and alive"
Meu amigo, a viagem não começa, portanto, quando um barco singra a diretriz de certo rumo marítimo. Como já lhe disse, o que é peculiar à viagem está para além de mapas, roteiros e astrolábios. Enquanto eles dominarem o processo, a viagem não se realiza. A viagem começa na força incisiva da aprendizagem da existência de Deus e na intensa dedicação à Sua Palavra; ela, sim, recriará o navegante.
RASGANDO O VÉU C (a obra do Espírito)
Descobrirmos que a linguagem bíblica e poética é um passo. Aprofundarmos em seu conteúdo é outro. Contudo, o último, gigantesco e derradeiro passo só conseguiremos se, como crianças, segurarmos a mão do nosso Pai.
Realmente é difícil assimilar os ensinamentos espirituais contidos na Bíblia. Nicodemos era um dos principais entre os judeus, um mestre fariseu que, certamente, conhecia (intelectualmente) MUITO as Escrituras do VT. Esse mestre não entendia quando Jesus tentava lhe explicar sobre as coisas espirituais: “Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode ser isto? Respondeu-lhe Jesus: Tu és mestre em Israel, e não entendes estas coisas?” (...) “Se vos falei de coisas terrestres, e não credes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3:10-11, 13)
Fato notável é que, após sua conversa com Jesus, Nicodemos disse aos seus compatriotas: “A nossa lei, porventura, julga um homem sem primeiro ouvi-lo e ter conhecimento do que Ele faz?” Será que ele tinha acreditado, ou entendido Jesus?
Eu nos faço a mesma pergunta: Será que podemos julgar sem primeiro ouvir e ter conhecimento do que REALMENTE a Bíblia faz? O que é ouvir? O que é ter conhecimento do que ela faz?
Como ouvir e entender as Palavras de Deus nas Sagradas Escrituras?
A resposta se inicia em Efésios 6:17-18, que diz que devemos tomar a palavra da Bíblia não somente lendo e estudando, mas também com toda oração e exortação. Devemos orar, devemos invocar o Seu nome (Ó Senhor Jesus!) e pedir que Ele nos ajude a tocar o Seu Ser através de Suas Santas Palavras. Ele é um Deus vivo.
Para que possamos remover o terceiro véu, devemos estar não só com nossa mente, mas, principalmente, com o espírito aberto. Se abrirmos nosso espírito a Deus e à Sua Palavra, poderemos tocar o próprio Deus nas páginas impressas da Bíblia. Insisto, não é apenas uma questão de ver com os olhos, entender com a mente e sentir com o coração, mas é tocar Deus com o nosso espírito.
Minha esperança, com esta mensagem, é tentar contribuir para um descortinar dos três véus. Sei que A e B podem ser pelo menos afastados por mim, mas C é obra exclusiva do Espírito. Parafraseando Paulo em 2Co 3:12-16: Tendo, pois, tal esperança, usaremos de muita ousadia no falar para que não sejamos como alguém que, com o entendimento endurecido, traz um véu sobre os olhos e sobre o coração. Quando esse véu permanece, não nos é revelado que, em Cristo, ele é removido. Mas, quando alguém se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado.
Devemos saber que “(...) Ele nos inaugurou caminho novo e vivo
através do véu, isto é, da sua carne”. (Hb 10:20).
Devemos saber que Jesus rasgou ao meio esse véu, de alto a baixo!
(Mt 27:51, Mc 15:38, Lc 23:45).
Lembro-me de uma viagem que, depois de uma série de eventos, iniciou-se em outro horário, uma viagem que estava programada pra ser feita em outro carro e com outro passageiro, uma viagem na qual, depois de sentir cheiro de queimado, os faróis baixos de um carro novo se apagaram em uma estrada sem acostamento, uma viagem durante a qual orei para que o Senhor Jesus iluminasse o caminho, uma viagem na qual um pequeno milagre aconteceu...
“E Jesus, percebendo isso, disse-lhes: (...) Não compreendeis ainda, nem entendeis? tendes o vosso coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? e tendo ouvidos, não ouvis? e não vos lembrais?” (Marcos 8:17b-18)
Jesus Cristo é o nosso Senhor.
Segunda, 19 de Dezembro de 2005
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