O Argumento da Autoridade

A Bíblia diz que Deus criou o mundo em seis dias e a Bíblia é a palavra de Deus inspirada. Para o criacionista médio é tudo o que importa. Todos os outros argumentos são apenas um meio tedioso de combater a propaganda de todos aqueles perversos humanistas, agnósticos e ateus que não estão satisfeitos com a clara palavra do Senhor.

Os líderes criacionistas, na verdade, não usam esse argumento porque isso faria com que seu ponto de vista fosse religioso, e eles não poderiam tentar implantá-lo no sistema educacional secular. Eles precisam emprestar as roupas da ciência, não importa quão mal ela caia, e chamar a si próprios de criacionistas "científicos". Eles também falam apenas no "Criador", e nunca mencionam que esse Criador é o Deus da Bíblia.

Não podemos, entretanto, levar a sério esse disfarce de ovelha. Enquanto muitos líderes criacionistas podem usá-la em seus pontos "científicos" e "filosóficos", eles estariam perdidos e seriam ridicularizados se fosse tudo que tivesem.

É a religião que recruta os seus esquadrões. Dezenas de milhões de americanos, que não conhecem ou não entendem os argumentos verdadeiros pró ou mesmo contra a evolução marcham no exército da noite agitando suas Bíblias. E eles são um poder forte e combativo, impermeáveis e imunizados contra a débil lança do simples raciocínio.

Mesmo se eu estiver certo e o caso dos evolucionistas for muito forte, os criacionistas não têm, não importa quão vazio seja o seu caso, o direito de serem ouvidos? Se o seu caso é vazio, não é perfeitamente seguro discuti-lo uma vez que o vazio seria então visível? Por que então os evolucionistas estão tão relutantes em ter o criacionismo ensinado nas escolas públicas na mesma base da teoria evolucionária? Não pode ser que os evolucionistas não estão tão confiantes no seu caso como pretendem? Eles estão com medo de permitir que os jovens tenham uma escolha clara?

Primeiro, os criacionistas são um tanto menos que honestos em sua exigência por tempo igual. Não é o ponto de vista deles que está sendo reprimido: as escolas não são, absolutamente, os únicos locais nos quais ocorre a disputa entre o criacionismo e o evolucionismo. Há igrejas, por exemplo, que têm uma influência muito mais séria sobre a maioria dos americanos do que as escolas. Com certeza, muitas igrejas são bastante liberais e estão em paz com a ciência e acham mais fácil viver com os avanços científicos - mesmo com a evolução. Mas muitas das igrejas não tão modernas e urbanas são bastiões do criacionismo.

A influência da igreja é naturalmente sentida em casa, nos jornais e em toda a sociedade circundante. Ela se faz sentir na nação como um todo, mesmo nas áreas livres da religião, de milhares de maneiras sutis: na natureza dos feriados, em expressões de fervor patriótico, e mesmo em irrelevâncias completas. Em 1968, por exemplo, um grupo de astrônomos circundando a lua foi instruído a ler os primeiros versículos do Gênesis porque a NASA sentiu que deveria aplacar a ira do público devido à violação do firmamento. E o atual Presidente dos Estados Unidos expressou sua simpatia pelo criacionismo.

É apenas na escola que os jovens americanos em geral tem a probabilidade de ouvir uma explicação racional do ponto de vista evolucionário. Eles podem encontrar tal ponto de vista em livros, revistas, jornais ou mesmo, às vezes, na televisão. Mas a igreja e a família podem censurar facilmente o material impresso ou a televisão. Apenas a escola está além do seu controle.

Mas apenas um pouco além. A despeito de que as escolas são agora permitidas de ensinar a volução, os professores estão começando a não insistir muito sobre ela, sabendo muito bem que seus empregos estão à mercê dos conselhos escolares, sobre os quais os criacionistas vêm sendo uma influência cada vez mais forte.

Então, nas escolas também os estudantes não são solicitados a crer no que eles aprenderam sobre a evolução - apenas a repetir tudo nas provas. Se eles não o fizerem, sua punição não será nada mais do que a perda de uns poucos pontos em um teste ou dois.

Nas igrejas criacionistas, entretanto, exige-se que a congregação acredite. Jovens impressionáveis, advertidos de que irão para o inferno se ouvirem a doutrina evolucionária, não a ouvirão com tranqüilidade nem crerão no que ouvirem. Portanto, os criacionistas que controlam a igreja e a sociedade em que vivem e encaram a escola pública como o único lugar onde a evolução é mencionada mesmo que brevemente de maneira favorável, acham que não podem resistir nem a uma competição tão minúscula e assim exigem "tempo igual".

Você supõe que sua devoção à "justiça" é tal que eles dariam tempo igual à evolução em suas igrejas?

Segundo, o perigo real é a maneira como os criacionistas querem seu "tempo igual". No mundo científico há uma competição de idéias livre e aberta, e mesmo um cientista cujas sugestões não sejam aceitas é, mesmo assim, livre para continuar a defender o seu caso. Nessa competição de idéias livre e aberta, o criacionismo perdeu, claramente. Ele vem perdendo, na verdade, desde o tempo de Copérnico há quatro séculos e meio. Mas o criacionismo, colocando o mito acima da razão, recusou-se a aceitar a decisão e estão pedindo que o governo force seus pontos de vista nas escolas em nome da livre expressão das idéias. Os professores devem ser forçados a apresentar o criacionismo como se ele tivesse respeitabilidade intelectual igual à doutrina evolucionária.

Que precedente isso estabelece.

Se o governo pode mobilizar sua polícia e suas prisões para assegurar que os professores dêem tempo igual ao criacionismo, eles podem em seguida usar a força para assegurar que os professores declarem o criacionismo como vitorioso, de forma que a evolução seja banida das salas de aula. Teremos estabelecido uma base, em outras palavras, para a ignorância legalmente estabelecida e para o controle de pensamento totalitário. E o que acontece se os criacionistas vencerem? Eles poderiam vencer, você sabe, pois há milhões que se tiverem que escolher entre a ciência e sua interpretação da Bíblia, escolherão a Bíblia e rejeitarão a ciência, apesar dos indícios.

Isso não ocorre somente devido à reverência tradicional e irracional das palavras literais da Bíblia; existe também um desconforto - mesmo medo - da ciência que joga mesmo aqueles que se importam pouco com o fundamentalisimo nos braços dos criacionistas. Por um motivo: a ciência é incerta. As teorias estão sujeitas a revisão, as observações estão abertas a uma variedade de interpretações, e os cientistas discutem entre si. Isso é decepcionante para aqueles não treinados no método científico, que assim, preferem se voltar para a rígida certeza da Bíblia. Existe algo de confortável sobre uma visão que não admite desvio e que poupa a pessoa da dolorosa necessidade de ter de pensar.

Em segundo lugar, a ciência é complexa e desafiante. A linguagem matemática da ciência é compreendida por muito poucos. Os cenários que ela apresentam são assustadores - um universo enorme regido pelo acaso e por regras impessoais, vazio e indiferente, indomável e vertiginoso. Quão confortável, por outro lado, é um mundo pequeno, com uns poucos milhares de anos, sob o cuidado pessoal e imediato de Deus; um mundo em que você conta com Seu cuidado pessoal e onde Ele não te condenará ao inferno se você for cuidadoso e seguir cada palavra da Bíblia da forma que o pastor da televisão interpretar para você.

Terceiro, a ciência é perigosa. Não há dúvida de que gás venenoso, engenharia genética, armas nucleares e usinas de força são aterrorizantes. Pode ser que a civilização esteja se destruindo e que o mundo que conhecemos esteja chegando ao fim. Nesse caso, por que não se voltar para a religião e esperar pelo Dia do Julgamento, quando você e os seus companheiros crentes serão elevados ao eterno êxtase e terão ainda a alegria de ver os gozadores e descrentes se contorcerem em tormento para sempre.

Então por que eles não poderiam vencer?

Há varios casos de sociedades em que os exércitos da noite têm cavalgado triunfantes sobre as minorias a fim de estavelecer uma ortodoxia poderosa que dita o pensamento oficial. Invariavelmente, a cavalgada triunfante vai na direção de um desastre de longo alcance. A Espanha dominou a Europa e o mundo no século 16, mas na Espanha a ortodoxia vinha primeiro, e toda divergência de opinião era suprimida implacavelmente. O resultado foi que a Espanha ficou na obscuridade e não compartilhou do fermento científico, tecnológico e comercial que borbulhava em outras nações da Europa Ocidental. A Espanha permaneceu numa estagnação intelectual por séculos. No final do século 17, a França, em nome da ortodoxia, revogou o Edito de Nantes e expulsou muitos milhares de huguenotes, que adicionaram seu vigor intelectual a terras de refúgio como a Grã-Bretanha, a Holanda e a Prússia, enquanto a França foi enfraquecida permanentemente.

Numa época mais recente a Alemanha perseguiu os cientistas judeus da Europa. Eles chegaram aos Estados Unidos e contribuíram imensamente para o seu avanço científico, enquanto a Alemanha perdia tão pesadamente que não se pode dizer quanto tempo vai levar até que ela recupere sua antiga eminência científica. A União Soviética, em sua fascinação com Lysenko, destruiu seus geneticistas, e atrasou as ciências biológicas por décadas. A China, durante a Revolução Cultural, voltou-se contra a ciência ocidental e ainda luta para superar a devastação resultante.

Como iremos agora, com todos esses exemplos diante de nós, cavalgar de volta ao passado sob a mesma bandeira esfarrapada da ortodoxia? Com o criacionismo a tiracolo, a ciência americana definhará. Criaremos uma geração de ignorantes mal-equipados para dirigir a indústria de amanha, e muito menos para gerar os novos avanços dos dias de depois de amanhã.

Vamos inevitavelmente retroceder à retaguarda da civilização e aquelas nações que mantiverem aberto o pensamento científico tomarão a liderança do mundo e da fronteira do progresso humano. Não creio que os criacionistas planejem realmente o declínio dos Estados Unidos, mas o seu patriotismo expresso em altas vozes é tão ingênuo quanto sua "ciência". Se eles tiverem sucesso, eles irão, em sua loucura, obter o oposto do que dizem desejar.

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Isaac Asimov, "The 'Threat' of Creationism," New York Times Magazine, 14 de junho de 1981; de Science and Creationism, Ashley Montagu, ed., New York: Oxford University Press, 1984, págs. 182-193.