A Questão da
COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL
e o Argumento do RELÓGIO

2001/2002

Um dos mais notáveis argumentos constestatórios do evolucionismo chega a inicialmente fazer sentido, tanto que algumas vezes é defendido por cientistas razoavelmente respeitáveis, geralmente da biologia Celular e Molecular e nem sempre criacionistas, como os defensores do Design Inteligente, que normalmente são Evolucionistas Teístas, embora acabem fornecendo argumentos aos criacionistas.

Diz que devido ao alto nível de complexidade de um sistema, e devido ao fato deste sistema não funcionar sem qualquer uma de suas partes, estas não poderiam ter sido adicionadas em estágios sucessivos, tendo que ser montadas de uma só vez, ou que ao menos sua montagem deveria ter sido intencionalmente planejada. Células são um exemplo típico, qualquer componente que seja retirado prejudica ou mesmo inviabiliza o funcionamento da mesma. Devido a isso, conclui-se que tal célula não pode ter evoluído adicionando componentes em estágios sucessivos, precisaria ser criada com toda a sua estrutura já pronta.

Este seria o caso de um Organismo que não pudesse ser explicado pela Evolução, especialmente Neo Darwinista, o que, como já previa o próprio Darwin, derrubaria sua teoria, e evidenciaria a possibilidade da Teoria da Evolução Darwiniana ser demonstrada como falha e portanto falseável, que é uma característica vital de uma Teoria Científica.

Este é o melhor argumento dos criacionistas em minha opinião, ainda que tenha sido proposto por evolucionistas. Mas numa análise mais acurada, pode-se perceber que afinal, este argumento não suporta a uma analogia tal qual a do relógio, amplamente usada pelos próprios criacionistas.

Na analogia do relógio, adaptada do teólogo do século XVIII Willian Paley, os criacionistas propõem que seria um absurdo achar que um relógio tivesse surgido por acaso, vindo do nada, ou após a explosão de uma fábrica de componentes. Pedaços de metal e vidro teriam que ter voado e se encontrado por coincidência, se fundido e se organizado de forma totalmente aleatória resultando num complexo aparelho. Seria necessária a ação de uma força criadora intencional.

Evidentemente tal raciocínio é correto, mas não se aplica a questão da evolução, pois nenhum organismo complexo surgiu repentinamente na natureza, eles evoluíram de estados iniciais extremamente simples. Além do mais, a complexidade de um artefato da técnica humana como um relógio, é claramente diferente da complexidade de um organismo natural.

Não há na natureza uma simetria comparável à que existe no relógio, nem mesmo no mundo microscópico, apesar de qualquer célula ser muito mais elaborada que a maioria dos artefatos humanos, ela possui uma "engenharia" natural que não pode ser comparada a tecnologia humana. Na mesma explosão da fábrica, não poderia de fato ter surgido um relógio, mas poderia ter se ajuntado uma poça de substâncias básicas, capaz de servir de meio para o desenvolvimento de substâncias químicas primárias, tal como ocorreu nos primórdios da vida na Terra.

Com o mesmo relógio, façamos agora uma analogia com relação a Complexidade Irredutível. Consideremos que seja impossível remover qualquer peça do relógio sem afetar-lhe o funcionamento. Isso pode provar que ele de fato foi construído em sua forma complexa, tal como a célula. Mas será que o primeiro relógio a ser criado por um Ser Humano já tinha essa complexidade?

Quer dizer que o fato de um automóvel moderno, cheio de recursos e dispositivos complicados, não poder funcionar sem qualquer uma de suas peças, prova que o primeiro carro, o modelo T-Ford, já era assim?

Não fora o relógio, assim como o automóvel, resultado de décadas de aperfeiçoamento através de vários modelos progressivamente mais complexos? Não teria sido o mesmo que a natureza fez com as células?

Evidentemente há um ponto a se considerar, relógios e automóveis não se reproduzem como as células, e isso cria uma distância considerável para a comparação. Distância entretanto bem mais sutil que a do exemplo do relógio em relação ao surgimento espontâneo da vida primitiva.

Porém da mesma forma que a célula replica seu padrão, um modelo de automóvel tem seu padrão copiado até que alguma modificação seja feita. No caso do automóvel isso se dá devido a intervenção humana, na célula devido a variações genéticas refinadas pela Seleção Natural. Guardadas as devidas proporções, a comparação é válida. Para os artefatos humanos tivemos um certo desenvolvimento, mediante inteligência, de alguns séculos, para a evolução biológica, quer mediante inteligência ou não, foram bilhões de anos.

A Armadilha da Complexidade

Mas a forma mais refinada do argumento da Complexidade Irredutível foi criada pelo famoso Bioquímico Michael Behe, autor da obra "A Caixa Preta de Darwin". Que ainda que seja um proponente do Design Inteligente, e portanto não criacionista, representa a mais bem articulada frente de combate à Evolução Neo Darwiniana tradicional.

Behe criou uma analogia que representa muito bem toda a idéia. A Analogia da Ratoeira.

Uma Ratoeira pode ser reduzida a basicamente 3 componentes, um dispositivo sensor, um gatilho e uma espécie de prensa que esmaga o infeliz camundongo, ou o dedo do incauto alguém que como eu, certa vez, teve o desprazer de ter tido uma vaga idéia do que o pobre animal deve sentir ao cair nesta armadilha.

Se o sensor que quando pressionado libera o "gatilho", ou o gatilho, na verdade a mola, que empura a "guilhotina", ou esta "guilhotina" que por fim finaliza o processo, forem removidos, a ratoeira inteira para de funcionar. Portanto, a ratoeira seria o exemplo de um sistema irredutivelmente complexo, que não pode prescindir de qualquer uma de suas partes, não funcionando sem uma delas e por isso, deve ser montada por uma inteligência.

Essa analogia é amplamente usada pelos defensores da Complexidade Irredutível como uma forma de demonstrar que certos componentes das células, tidos por eles como irredutivelmente complexos, não poderiam ter evoluído progressivamente, mas sim ter sido montados por uma ação externa.

É importante lembrar que os sistemas irredutíveis destes proponentes são microscópicos, constituindo evidência no máximo de um planejamento a nível biológico primário, portanto nesse sentido, o que os proponentes do Design Inteligente querem dizer é que a base da vida, em especial as moléculas orgânicas primitivas, não podem ter surgido por acaso, mas sim por intermédio de uma inteligência que daria partida ao processo, ou ocasionalmente intervisse em certos estágios do processo evolutivo.

Desse modo esse argumento é pouco útil para os Criacionistas tradicionais, pois ele admite a evolução mediante uma inteligência, suposição a qual simpatizo muito, mas voltando à analogia, o que me sinto na obrigação de admitir é:
"Essa Analogia é uma das mais brilhantes que já vi, mas cujo brilho vai muito além ou aquém do que pode parecer inicialmente."

Pode ser interpretada como um genial Sofisma, ou apenas como um raciocínio tão ardiloso que talvez seus próprios proponentes, inclusive Behe, tenham sido enganados por ela. Ela é tão brilhantemente apropriada que de fato se constitui uma Ratoeira, uma Armadilha, capaz não só de por em xeque um raciocínio evolutivo, o rato para o qual tal armadilha foi montada, mas capaz também de se virar contra seus próprios proponentes, assim como a ratoeira pode esmagar o dedo do humano que a constrói.

O Primeiro ponto a ser considerado é que o exemplo em si não é adequado a uma comparação com organismos biológicos. Nada há na Natureza que possa ser comparado a uma Ratoeira. Diferente de qualquer organismo celular, a Ratoeira não é independente, ela precisa ser rearmada cada vez que é acionada, por um agente externo, o Ser Humano. Os organismos naturais interagem com outros organismos naturais, dessa forma, não há nenhum dispositivo biológico que necessite da intervenção de um agente externo ao seu próprio macro organismo para ser reativado, não tão externo e distante quanto o é um Ser Humano de uma Ratoeira.

Aqui se constitui a primeira armadilha do argumento, uma vez usado, não raro o alvo, o evolucionista não teísta, cai na ratoeira, sendo levado a um campo de raciocínio onde o Design Inteligente fica em nítida vantagem, o campo humano, onde a ação intencional e inteligente sobre mecanismos inertes é constante. É muito diferente do campo biológico onde todos os organismos não são inertes, mas auto gerenciados, e onde a intervenção de uma ação intencional e inteligente externa, se existe, é simplesmente indetectável.

Capturado na analogia, o "ratinho" evolucionista fica numa cadeia de analogias e associações com elementos que escapam do biológico. Trata-se então de uma ratoeira linguística, que desloca a discussão para um campo onde o raciocínio do Design Intencional pode usar inúmeros recursos.

Para não cair na armadilha, deve-se evitar ir "com muita fome ao queijo", e desconstruir o próprio argumento em si.

Como eu disse, na Natureza não há exemplos comparáveis a uma Ratoeira. Os sistemas orgânicos são interrelacionados com outros sistemas orgânicos de ordem similar. Temos em nosso próprio corpo sistemas que se ativam sobre determinadas circunstâncias, tais como as ratoeiras, mas eles são rearmados por outros sistemas, como se uma ratoeira não fosse rearmada por um Ser Humano mas sim por um outro dispositivo mecânico talvez um pouco mais complexo, que por sua vez seria manipulado por outro, e outro, numa interconexão de mecanismos que acabaria por se constituir numa máquina de alta complexidade, e onde a intervenção de uma inteligência externa ficaria cada vez mais distante.

Se construirmos robôs suficientemente sofisticados, com avançada inteligência artificial e com ordens de se reproduzir e se aperfeiçoar, podemos deixá-los se desenvolver por si próprios, e após milhares ou milhões de anos, talvez eles estejam completamente diferentes e até se questionando sobre suas origens. Por isso, o máximo que a Complexidade Irredutível poderia apontar com alguma propriedade, seria a possível ação de um Ser Criador num estágio muito remoto do passado. Seria uma forma de Deísmo, a idéia de que Deus deu partida na Criação do Universo e depois o abandonou a própria sorte.

Devo dizer que isso é válido, por isso respeito os adeptos do Design Inteligente, mesmo porque eu pessoalmente tenho uma inclinação ao Evolucionismo Teísta. Mas reitero que esse raciocínio não interessa, ou não deveria interessar a seus maiores usuários, os Criacionistas.

Mas é hora de reverter a eficiência dessa ratoeira, e mostrar que ela pode ser inimiga também de seus proponentes, pois se é dito que uma ratoeira é um sistema irredutívelmente complexo, que só faz sentido quando existindo em conjunto, estamos dizendo também que cada módulo deste sistema só pode servir para a função completa da ratoeira. Estamos dizendo que molas, sensores e "guilhotinas" só servem para construir ratoeiras e nada mais, o que evidentemente é uma tolice.

Se removermos o mecanismo que esmaga a vítima, o aparelho deixa de ser uma Ratoeira, mas continua sendo um sensor. Existem milhares de aplicações para um sensor que não sejam disparar golpes fulminantes. Se removermos um sensor, deixamos de ter uma armadilha, mas temos muitos outros usos para dispositivos de tensão pressionadores.

Muito antes de alguém inventar uma ratoeira, já havia alavancas e molas, e aparelhos semelhantes com outras funções. Se nos deixarmos cair na "Ratoeira de Behe", teremos que admitir que esses dispositivos só servem para construir tais armadilhas, e que só surgiram após o a primeira ratoeira ser imaginada.

Além disso esse argumento ataca a Evolução, que prega a construção passo a passo da complexidade orgânica, o que por si só também já gera outro problema, pois mesmo uma ratoeira não é construída instantaneamente e completamente pronta num passe de mágica, ela precisa ser montada peça por peça.

Mesmo que a Ratoeira não tenha uma relação precisa com organismos naturais, é fácil construir uma analogia que esvazia o teor do argumento.

Antes de ser uma Ratoeira, o dispositivo poderia ser um mero sensor que avisasse que um rato, ou outro animal está presente, para que se tome outra providência, ao mesmo tempo que a "guilhotina" poderia ter funções como segurar ou cortar objetos. Então alguém teve a idéia de unir tais dispositivos.

Analogamente um organismo natural pode ter uma função e depois, com o surgimento de outro elemento, mediante variação genética, assumir uma função diferente. Portanto se reduzirmos o dispositivo complexo ele pode deixar de ter sua função inicial, mas pode assumir outra.

Por tudo isso, a analogia da Ratoeira representa com perfeição o argumento da Complexidade Irredutível, ela parece eficiente, mas é uma armadilha sofismática, que pode ser usada tanto a favor quanto contra seus proponentes.

Em suma, a proposta da Complexidade Irredutível embora razoável, não passa de uma especulação filosófica, sem qualquer força para abalar a Teoria da Evolução, mesmo que se demonstrasse infalível. Porém como espero ter demonstrado, o feitiço pode virar contra o feiticeiro, e o argumentista prender seu próprio dedo na ratoeira.

Marcus Valerio XR
Reformulado em 09 de Agosto de 2002

Esse tema é especialmente aprofundado no texto acadêmico
AS CAIXAS PRETAS DE BEHE
2006
Os 3 Criacionismos Básicos
A Questão Termodinâmica

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