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FÓSSEIS TRANSICIONAIS E ANCESTRALIDADE COMUM
Só quem busca "elos perdidos" são os criacionistas, não para encontrá-los, e sim para afirmar a inexistência de fósseis
que evidenciem o processo evolutivo, na ilusão de que existe uma perpétua frustração entre os evolucionistas que
nunca conseguiram "provar" a evolução.
No texto O "Elo Perdido" foi Encontrado? espero ter deixado claro porque esse conceito é uma tolice,
e mal se aproxima do único conceito realmente sério que pode ser discutido. A existência dos fósseis de transição, que
os criacionistas afirmam que nunca foram encontrados.
Na verdade há tantos fósseis transicionais descobertos que é quase ofensivo ter que mostrá-los aqui. Uma busca pelo
google ou similares com termos como "fósseis de transição" ou uma pesquisa em qualquer material sério, o que exclui
a maior parte das fontes criacionistas, os mostrará fartamente. O que ocorre é que os criacionistas negam que eles
sejam transicionais.
Analogamente, é como alguém afirmar que dinossauros não existiram, e quando alguém lhes mostra os fósseis de um,
ele simplesmente diz que não é um dinossauro. A única forma possível de continuar a discussão seria então entrar no
mérito do significado de "dinossauro".
Pelo mesmo caminho, a única forma possível de debater a acusação criacionista é perguntar o que se entende por fósseis
transicionais. Já abordei esse tema em O Ovo ou a Galinha?, e creio que está bem explicado
e exemplificado. Infelizmente, como a abordagem criacionista me obriga a dizer a mesma coisas milhares de vezes seguidas,
nada demais abordar o mesmo assunto aqui, de uma forma diferente.
Os evolucionistas entendem que Fóssil Transicional é um fóssil que misture
características de duas espécies distintas, uma anterior e outra posterior, na sequência evolutiva, ou de
duas espécies posteriores (bifurcação). Por exemplo.
Sabemos, pelas evidências fósseis nas camadas geológicas, que os peixes são mais antigos que os anfíbios. Nesse
caso, uma espécie transicional entre peixes e anfíbios é aquela que reunir características que hoje estão presentes
nos peixes mas não nos anfíbios, bem como nos anfíbios mas não nos peixes, e que, IMPORTANTE,
tenha vivido num período intermediário também.
É importante, aqui, frisar que uma espécie mais antiga NÃO TEM que desaparecer com o surgimento de outra mais nova. Tanto
a anterior e a posterior podem continuar a existir após a extinção da intermediária, como todas podem continuar
existindo. Bem como as duas posteriores, no caso de uma bifurcação, permanecerem após a extinção ou não da anterior.
E até mesmo as posteriores podem se extinguir, deixando ou não a anterior.
Não adianta apenas apresentar características mistas, é preciso que se encaixe na linha do tempo geológica.
Criacionistas gostam muito de citar exemplos de animais exóticos, como os da Austrália, para parodiar os argumentos
paleoevolutivos, mas isso não procede porque é claro que eles não se situam na linha cronológica adequada, nem no
nicho geológico. É preciso
que a espécie transicional seja sempre mas antiga, independente das espécies descendentes estarem extintas ou não,
ou mesmo serem "contemporâneas". Há fósseis transicionais de espécies que ficam entre os hominídeos extintos, e
os humanos e primatas de hoje. E é claro, têm que estar não apenas temporalmente, mas espacialmente ligadas.
Por essa definição, acredita-se que o
ICTHYOSTEGA tenha sido uma espécie transicional
entre peixes e anfíbios, e se está claro que se peixes não tem patas e anfíbios não tem escamas, mas uma espécie que
viveu num tempo intermediário entre eles tinha patas e escamas, bem como somava outras características de cada grupo,
como é possível então negar que seja, pela definição, uma espécie transicional?
Os criacionistas, curiosamente não negam a definição de fóssil transicional, eles utilizam na verdade aquilo que chamo
de ARGUMENTO DA DESCONTINUIDADE, que irei aqui mais uma vez explicar.
Dos artifícios retóricos que sustentam a ignorância, dois merecem destaque especial. Batizei-os de "Síndrome do Nada a Ver",
e de "Complexo de Mesma Coisa". O último elimina distinções importantes entre coisas diferentes para igualá-las, como dizer
que ser católico ou protestante, por serem ambas da tradição cristã, é a mesma coisa. O primeiro é o próprio argumento da
descontinuidade radicalizado, significa simplesmente alegar que duas coisas, sendo diferentes, não se relacionam, como
dizer que protestantismo e catolicismo não tem nada a ver.
Sabemos, porém, que embora tudo tenha sua peculiaridade, sua diferença, ao mesmo tempo também tem sua generalidade, que o
conecta com as outras coisas, todo o universo está interconectado em complexas e intermináveis relações de causa e efeito,
e não há algo que seja absolutamente separado de outro.
O criacionista irá alegar que a espécie fóssil em questão não é transicional porque é algo isolado, descontínuo, das
demais. Para isso, pode usar dois caminhos básicos:
1) Forçar a espécie em uma classe ou outra, por exemplo dizer que o
Icthyostega é um peixe OU um anfíbio. Para isso, é preciso
eliminar as diferenças claras que existem entre o espécime e o grupo que se pretende encaixar, dizendo que apesar de
possuir patas, ele é um peixe, ou que apesar das escamas, é um anfíbio. Apesar das diferenças, são "a mesma coisa".
Para ajudar no argumento, podem até procurar o animal mais exótico possível, que possua alguma característica que possa
se assemelhar a uma pata de peixe ou escama de anfíbio, para tentar corroborar a afirmação.
2) O outro caminho é a "via do nada a ver". Apesar das características mistas, poderão dizer que a espécie em questão pertence
a uma classe distinta tanto dos peixes quanto dos anfíbios, que não tem relação com as outras além da mera semelhança,
da mesma forma como, costumam dizer, os golfinhos apenas se parecem com os tubarões. Mais uma vez, vale lembrar que não
é mera questão de semelhança, mas do grau de semelhança e da posição na história geológica.
É possível porém, voltar a uma "via do mesma coisa" radicalizada, afirmando que apesar de tudo, peixes, anfíbios ou
ichtyostegas são, afinal, a "mesma coisa".
Em síntese, não está em pauta aqui qualquer discussão científica, mas sim pura e simplesmente uma discussão de palavras.
A incrível enxurrada de afirmações criacionistas de que não existem fósseis que corroborem a evolução tem ao menos uma
verdade, a de que os cientistas não respondem suas acusações. De fato, não há o que responder, visto que trata-se pura
e simplesmente de recusa de evidência.
Alguns criacionistas já conseguiram captar muito bem a essência da discussão Evolução e Criação e usar termos bem precisos
que de fato ajudam a colocar a questão. Uma vez que o evolucionismo já se impôs como única explicação plausível, visto
que os criacionistas usam conceitos evolutivos largamente (caso contrário não conseguiriam sequer disfarçar a
impropriedade intelectual), o que está em pauta afinal é o alcance da evolução.
Propuseram então uma distinção que acho muito bem vinda. A disputa é entre a noção de
ANCESTRALIDADE COMUM, a idéia de que
todos os seres vivos descendem de uma única linhagem evolutiva primordial, e a idéia de
ANCESTRALIDADES DISTINTAS, ou seja,
que todos os seres vivos, apesar de evoluírem dentro de seus limites, possuem várias linhas evolutivas distintas.
Essa diferenciação bem poderia ser mais utilizada pelos evolucionistas que se propõe a combater o criacionismo,
ao invés de ficarem incorporando noções flagrantemente nocivas como a sofismática distinção entre
micro e macroevolução que só serve ao criacionismo. Chamemos então a Ancestralidade Comum de
AC e as Ancestralidades Distintas, naturalmente,
de AD.
Com isso, fica então mais claro à onde o criacionista quer de fato chegar, exatamente de onde jamais saiu. Estando
comprometido com a premissa AD, simplesmente irá reafirmá-la perpetuamente, independente
das evidências ou argumentos que se apresentam em favor da AC.
Portanto, se peixes e anfíbios tem AD, mostrar uma evidência que sugere o oposto será
confrontado com a insistência, ou a aceitação de uma nova AD, que no fundo, é uma retórica
de "nada a ver", ou se a situação exigir, alternar para uma de "mesma coisa", aceitando que tudo pode ser agrupado
na mesma AD, que no entanto, permanecerá distinta das demais como répteis, aves e mamíferos.
A insistência no padrão descontínuo evidentemente tem sua raiz na Gênese Bíblica, que descreve a criação divina de
espécies separadas. Anteriormente, os criacionistas negavam qualquer evolução, mas a simples tentativa de se
cientificizar mostrou que isso era absurdo, e cada vez mais evolução é incorporada a seus modelos de pensamento.
Com a AD, é possível incorporar a evolução biológica o suficiente para que seja possível
dar qualquer explicação razoável sobre o mundo vivo, e ao mesmo tempo resguardar a idéia de criação divina de,
não exatamente espécies, mas "tipos" genéricos separados, que podem evoluir dentro de suas características.
Partindo da idéia de uma AC, o que se esperaria encontrar na natureza? Podemos citar pelo
menos 3 evidências bem simples:
1 - Que, por terem origens comuns, as espécies devem possuir grandes similaridades explícitas entre si;
2 - Que sua infra estrutura deve ser similar;
3 - Que existam evidências que permitam associar as espécies umas às outras.
Para os três, a ocorrência é SIM, SIM e SIM. A aparência mostra claramente similaridade entre espécies distintas.
Estruturas equivalentes mesmo entre grupos bastante diversificados. A presença de um par de olhos para todos os animais
superiores por exemplo. A infra estrutura, que vai além das aparências, é o suporte bioquímico que constrói os seres vivos,
que é o DNA, que como sabemos, é perfeitamente coerente em todos os viventes conhecidos.
O terceiro é o tema deste texto. Sendo impossível negar a similaridade entre as espécies, e o compartilhamento do modelo
infra estrutural, ainda que sempre sejam possíveis alguns sofismas a respeito do DNA, só resta aos criacionistas, negar o
último. (Curiosamente existem cientistas, evolucionistas, propondo a possibilidade de haver espécies de
AD em nosso mundo, mas seriam seres muito primitivos, que jamais puderam evoluir de forma
comparável às espécies compostas pelos tradicionais A,C,G,T)
Por outro lado, partindo da idéia de AD, nenhum dos 3 precisaria ser encontrado. Deus poderia
dar as formas mais bizarras e exóticas aos diversos seres que criou, poderia usar bases bioquímicas completamente distintas,
e assim, não haveria nenhuma espécie transicional.
Mas quis a realidade que as evidências apoiassem a AC, e assim, diante da abundante evidência
das espécies tradicionais, a contestação racional foi levada a se exaurir. Resta, então, a apelação conceitual.
Como vimos, a afirmação de que não existem fósseis transicionais não é nova, ele é intrínseca à premissa das
AD, e apresentar novas evidências em contrário nunca despertará nos resistentes outra coisa
a não ser a repetição sistemática da premissa. Ao usar seus argumentos de descontinuidade, os criacionistas estão nada
menos do que se recusando a discutir, se recusando a ver o óbvio.
Afirme que as espécies X e Y são aparentadas, e o criacionista pedirá
a evidência, no caso o fóssil transicional. Ao mostrar uma camada de estratos geológicos devidamente datados onde
a espécie X, mais antiga, está mais em baixo, e a Y, mais nova,
está mais em cima, o criacionista fará a acusação de tautologia.
Mostrando que a espécie mais antiga tem um número bem maior de espécies aparentadas, exatamente por estar mais tempo no
mundo gerando descendentes, e estruturas mais simples, exatamente por ser primitiva, e o criacionista alegará coincidência.
Mostre que a espécie mais nova também deixou evidências fósseis em outros estratos geológicos equivalentes em outros lugares
do mundo, e terá a mesma alegação do criacionista.
Enfim, mostre que a espécie X está extinta, e mostre a espécie XY
que reúne características de ambas, e o criacionista alegará ser esta apenas uma outra espécie isolada, descontínua.
Mostre então as espécie XY1 e XY2, e a resposta será a mesma,
são espécies distintas sem parentesco.
Mostre então XY1.5 entre XY1 e XY2.
Nada! Dirá que são espécies distintas. Mostre 10 níveis entre cada uma delas, e de nada adiantará.
A descontinuidade continuará imperando, a mentalidade que separa as coisas rigidamente, sem intermediários. Tal como o
Bem ou o Mal, como ir para o Céu OU para o Inferno, tal como um processo de criação que faz algo do nada, sem
níveis de transição.
Concluindo. Infelizmente, não existe discussão honesta nesse quesito. Os fósseis transicionais são fartamente abundantes,
em especial na transição entre répteis e aves, e entre os hominídeos e os primatas superiores. Visto ser esta, na verdade,
a evidência decisiva em favor da evolução, o Xeque-Mate terminal no criacionismo, o que resta aos criacionistas?
Nada. Dizer que não valeu, ignorar a evidência e fugir da discussão. E todos os seus argumentos não passam de falácias de
descontinuidade. Não há o que discutir em termos científicos. É pura retórica, e na melhor das hipóteses, dialética
conceitual.
Marcus Valerio XR
19 de Fevereiro de 2009
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